Reconhecimento fotográfico no processo penal: atuação da sociedade civil e respostas institucionais ao problema

Pesquisadoras apresentam um mapeamento das principais produções que levantaram os problemas da prática de reconhecimento fotográfico em processos criminais, especialmente a partir dos estudos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e de organizações da sociedade civil

Reconhecimento fotográfico no processo penal: atuação da sociedade civil e respostas institucionais ao problema

 

Este conteúdo foi originalmente publicado no Boletim – 367 do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em junho de 2023, e é fruto de parceria entre LAUT e IBCCRIM para publicação de textos bimestrais com conteúdo aberto. Serão abordados temas atuais e de relevância em Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia e Direitos Humanos, bem como jurisprudência sobre esses assuntos. 

Resumo: Com  o  objetivo  de  avançar  no  debate  sobre  o  reconhecimento  fotográfico como prova nos processos criminais, o artigo apresenta um mapeamento das principais produções que levantaram os problemas de tal prática, especialmente a partir dos estudos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e de organizações da sociedade  civil.  Depois,  sistematiza  os  principais  avanços  institucionais  recentes  sobre  o  tema,  em  especial  a  jurisprudência  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  e  os  trabalhos  do  Conselho  Nacional  de  Justiça,  que  estabelecem  parâmetros  a  serem  seguidos no momento da realização do reconhecimento de pessoas. Por fim, o texto aponta  como  tal  debate  pode  ajudar  a  avançar  no  tema  mais  amplo  do  controle  democrático das práticas policiais, muitas vezes arbitrárias.

Palavras-chave: Reconhecimento  fotográfico;  Processo  penal;  Provas;  Práticas  policiais.

Abstract: With the aim of advancing the debate on photographic recognition as evidence in criminal proceedings, the article presents a mapping of the main  productions  that  raised  the  problems  of  such  practice,  especially  from  the  studies  of  the  Public  Defender ’s  Office  of  Rio  de  Janeiro  and  civil  society  organizations.  Then,  it  systematizes  the  main  recent  institutional  advances  on  the  subject,  especially  the  jurisprudence  of  the  Superior  Court  of  Justice  and  the works of the National Council of Justice, which establish parameters to be followed at the time of carrying out recognition of people. Finally, the text points out how such debate can help advance the broader theme of democratic control of police practices, which are often arbitrary.

Keywords: Photographic  identification;  Criminal  procedure;  Evidences;  Police  practices

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  1. Introdução

Rodrigo  foi  investigado  por  suposto  roubo  em  transporte  coletivo  perpetrado  por  ele  e  outros  dois  homens,  os  últimos  presos  em  flagrante  na  ocasião  –  ocorrida  em  março  de  2020,  em  São  Paulo.  Na delegacia, Rodrigo foi reconhecido por meio da apresentação de sua foto a uma das vítimas da situação. A foto foi mostrada sem estar embaralhada em meio a outras fotografias, já com a indicação de que seria ele o terceiro suspeito da ocorrência. Feito o reconhecimento, o Ministério Público denunciou Rodrigo e a denúncia foi recebida pelo juízo. Na audiência de instrução, a vítima foi novamente orientada a identificar Rodrigo, mas desta vez com sua imagem embaralhada no meio de outras. Com isso, ela falhou em dar certeza na identificação. A autoridade judicial julgou a ação improcedente exatamente porque considerou  infrutífero  o  reconhecimento  fotográfico  na  fase  judicial,  quando comparado com o realizado na fase de inquérito. Como atestou o juiz em sua sentença: “A recente jurisprudência do STJ não admite condenação  fundada  em  reconhecimento  fotográfico  extrajudicial  isoladamente, sobretudo quando as próprias vítimas manifestam em juízo incerteza, reportando-se a uma mera semelhança”.

O caso de Rodrigo é um dos casos analisados pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) em pesquisa que investigou o uso do reconhecimento fotográfico pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)1. Atualmente, seu caso – e o desfecho dele – não são eventos isolados,  nem  no  TJ-SP,  nem  nacionalmente.  O  presente  artigo  tem  como objetivo apresentar os recentes esforços feitos pela sociedade civil  e  pelas  defensorias  públicas  para  identificar  os  problemas  do  uso  do  reconhecimento  fotográfico  nos  processos  criminais,  bem  como  mapear  as  principais  respostas  dadas  pelo  Poder  Judiciário  às  questões  levantadas  por  estes  grupos.  Também  apresentaremos  algumas  conclusões  parciais  da  pesquisa  desenvolvida  pelo  LAUT  sobre o assunto, a fim de suscitar reflexões sobre quais avanços ainda são  necessários  para  que  pessoas  como  Rodrigo  –  e  tantos  outros  que  foram  reconhecidos  por  meio  de  fotografias  –  não  respondam  por crimes que nunca cometeram.

1 Além das autoras, a pesquisa foi desenvolvida também por Natália Pires Vasconcelos e Luiz Guilherme Paiva e contou com o apoio dos pesquisadores Pedro Ansel e Lidia dos Santos.

Leia o artigo na íntegra no Boletim do IBCCRIM.