Este conteúdo foi originalmente publicado no Boletim – 375 do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em março de 2024, e é fruto de parceria entre LAUT e IBCCRIM para publicação de textos bimestrais com conteúdo aberto. Serão abordados temas atuais e de relevância em Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia e Direitos Humanos, bem como jurisprudência sobre esses assuntos.
Resumo: O presente artigo propõe reflexões a respeito de pontos centrais da pesquisa empírica em Direito, especialmente sobre o sistema prisional. A partir de experiências de pesquisa da autora e do diálogo com pesquisadores e textos afins, o texto apresenta desafios relacionados às relações entre teoria e empiria, pesquisador e interlocutor, e especificidades do contexto de realização da pesquisa, como as prisões.
Palavras-chave: Pesquisa; Direito; Teoria e empiria; Sistema prisional.
Abstract: This article proposes reflections on central points of empirical research in Law, especially on the prison system. Based on the author’s research experiences and dialogue with researchers and related texts, the paper presents challenges related to the relationship between theory and empirics, researcher and interlocutor, and the specificities of the research context, such as prisons.
Keywords: Research; Law; Theory and empirical; Prison system.
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Pesquisar é, antes de tudo, um movimento ativo e curioso de desvendar a realidade que nos cerca. Ativo porque imprescindível o compromisso e a ação para que todas as etapas da pesquisa se realizem. A curiosidade é também fundamental para compreender algo que ainda se insinua, mas mantém alguma dose de mistério e desafio. Para isso, identificar padrões, acessar conhecimentos já existentes, elaborar sua complexidade por meio de procedimentos explícitos e verificáveis e partilhar o aprendizado são passos necessários. As possíveis explicações precisam ser descritas, demonstradas e testáveis, de modo que permitam questionamentos sobre erros e imprecisões. A elaboração do que foi possível entender a partir do conjunto de experiências realizadas é o ápice, a epifania que tanto fascina. A partilha, por fim, sintetiza a potência transformadora, que ultrapassa a pessoa ou equipe pesquisadora, vinculando o conhecimento produzido à sociedade e a todos que se interessem por ele. Não há pesquisa, e, portanto, conhecimento científico, que se encerre em si mesmo.
E o Direito? Seria papel de operadores do Direito, expressão tão evocada nas graduações do País, aventurar-se cientificamente no mundo dos fatos? Certa vez, um motorista de aplicativo perguntou à autora qual era sua profissão. Disse que era formada em Direito e que realizava pesquisas sobre prisões. A reação dele, embora bastante respeitosa, denunciou a surpresa: “Não imaginava que ‘pessoas do Direito’ faziam isso”. Esse estranhamento não é raro, e perpassa a ideia de que, para se fazer pesquisa empírica, é necessário se deslocar do Direito para outras áreas do conhecimento, como Sociologia, Economia, Antropologia, Ciência Política, Políticas Públicas, entre outras. Permanecer no campo do Direito e desenhar investigações empíricas parece ser visto muitas vezes como uma incapacidade de filiar-se a uma outra área específica das ciências humanas. É verdade que a interdisciplinaridade fiel ao rigor científico é extremamente desafiadora e que o deslocamento mencionado pode ser uma alternativa muito interessante a depender do perfil do pesquisador. Todavia se entende que a articulação dos conhecimentos jurídicos à produção de outras áreas das ciências humanas e sociais pode ser um caminho bastante profícuo e válido. Especificamente, desvendar o funcionamento do poder punitivo no Brasil perpassa compreender o papel da legalidade na produção da violência institucional. Ler o universo jurídico com as lentes da realidade teorizada também por outras áreas apresenta-se como uma alternativa bastante profícua.