O avanço internacional da regulação da cannabis e o injustificável atraso brasileiro

Pesquisador reflete sobre o tratamento dado à cannabis no Brasil observando os problemas da manutenção de uma política proibicionista.

O avanço internacional da regulação da cannabis e o injustificável atraso brasileiro

Este conteúdo foi originalmente publicado no Boletim – 369 do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em agosto de 2023, e é fruto de parceria entre LAUT e IBCCRIM para publicação de textos bimestrais com conteúdo aberto. Serão abordados temas atuais e de relevância em Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia e Direitos Humanos, bem como jurisprudência sobre esses assuntos. 

Resumo: Há 10 anos o mundo presencia uma enorme transformação em termos de política de drogas. Diversos países e unidades federativas têm flexibilizado as restrições para o uso industrial, medicinal e mesmo recreativo da cannabis. Essa planta, que por quase cem anos foi identificada internacionalmente como uma das drogas mais perigosas do mundo, tem se tornado uma commodity lucrativa e legal, bem como um remédio com múltiplos usos. O continente americano concentra o maior número dessas iniciativas. O Brasil, no entanto, na contramão desse processo, recusa-se a avançar na regulação dessa planta, mantendo-a na ilegalidade e alimentando todos os males sociopolíticos daí advindos. Essa é uma posição cada vez mais injustificável do ponto de vista do bem comum.

Palavras-chave: Cannabis; Maconha; Brasil; Política de drogas; Américas

Abstract: For  10  years  the  world  has  witnessed  a  huge  transformation  in  terms of drug policy. Several countries and federative units have eased restrictions on  the  industrial,  medicinal,  and  even  recreational  use  of  cannabis.  This  plant,  which, for almost a hundred years, was internationally identified as one of the most dangerous drugs in the world, has become a lucrative and legal commodity, as well as a medicine with multiple uses. The American continent concentrates the largest number of these initiatives. Brazil, however, going against the grain of this process, refuses to advance in the regulation of this plant, keeping it illegal and feeding all the sociopolitical ills arising therefrom. This is an increasingly unjustifiable position from the point of view of the common good.

Keywords: Cannabis; Marijuana; Brazil; Drug Policy; Americas

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  1. Introdução

Termos   clareza   sobre   a   nossa   posição   social   e   a   assumirmos   criticamente  é  a  melhor  maneira  de  sermos  prudentes  nas  nossas  escolhas  e  calibrarmos  nossas  percepções,  evitando  preconceitos  e   avaliações   enviesadas.   As   ciências   sociais   chamam   isso   de   reflexividade,  uma  estratégia  que  serve  ao  processo  de  produção  de  conhecimento sobre o “outro”, melhorando a precisão, a adequação, a representatividade  e  a  relevância  das  informações  que  compõem  as  evidências e as conclusões de um estudo (LEANDER, 2008). Ao mesmo tempo  em  que  ajuda  a  compreender  o  objeto  referente,  tal  estratégia  também ajuda o observador a conhecer a si mesmo, investigando sua condição  no  mundo  e  os  dilemas  decorrentes  que  impactam  a  forma  como apreende e confere significados ao que o cerca. A reflexividade vale  para  o  pesquisador  enquanto  produtor  de  conhecimento,  mas  também poderia valer para o Estado/sociedade enquanto produtor de políticas que impactam a coletividade.

Esse texto se dispõe, assim, a fazer um livre exercício de reflexividade ao  situar  o  Brasil  no  contexto  internacional  de rápido  avanço  das  flexibilizações  às  restrições  ao  uso  industrial,  medicinal  e  mesmo  recreativo  da  cannabis.  Para tanto,  o  artigo  está  dividido  em  quatro  partes,  além  desta  introdução.  Na  primeira,  há  a  explicação  sobre  o  processo  da  regulação  da  cannabis  em  si,  identificando  termos  e  situando  o  debate.  A  segunda  parte  traz  uma  contextualização  das  diversas  experiências  internacionais  que  veem  a  cannabis  como  uma  mercadoria,  um  remédio  ou  uma  fonte  de  prazer.  Na  terceira  parte,  situamos  o  tratamento  atual  dado  à  cannabis  no  Brasil.  Concluímos  o  texto, chamando a atenção para o quão injustificável é o atraso brasileiro na regulação da cannabis, especialmente para fins medicinais.

Leia o artigo na íntegra no Boletim do IBCCRIM.