A educação é uma política pública central para os Estados, independentemente do tipo de regime político adotado (democracia ou autocracia). Em autocracias – regimes em que carece a alternância do poder político, faltam mecanismos de controle dos atores e instituições públicas, e costumam ocorrer violações massivas de direitos humanos –, é comum que a educação sirva como mecanismo de conformação do comportamento social aos interesses político-ideológicos do regime no poder. Nas democracias, por outro lado, a educação serve como instrumento de emancipação social, política e econômica do povo. Seu caráter técnico visa a qualificação da mão de obra ao mercado de trabalho, e sua natureza reflexiva permite olhares críticos ao desempenho dos agentes e instituições políticas. Uma educação livre, portanto, possibilita que cidadãos tomem decisões bem informadas e auxiliem a sociedade civil, o setor privado e agências estatais no cumprimento dos limites impostos pela Constituição à própria atuação do Estado.
Neste contexto, é possível questionar a compatibilidade entre processos de militarização do ensino público – quando lógicas e práticas militares pautadas por hierarquia, disciplina e homogeneização das condutas sociais são inseridas no ensino de civis – com a noção de educação democrática prevista na Constituição de 1988, que estimula o pluralismo social, as liberdades de crença e expressão, e a multiplicidade dos saberes.
Nos últimos anos, a educação pública brasileira sofreu investidas do chamado processo de militarização do ensino. Importante distinguir aqui as figuras dos colégios militares e das escolas cívico-militares ou escolas militarizadas. Enquanto os primeiros têm seu projeto pedagógico e gestão inteiramente conduzidos pelas Forças Armadas e forças de segurança, os últimos mesclam uma gestão híbrida civil-militar entre as secretarias de educação e as forças de segurança pública, tendo por foco a formação de civis. É neste último sentido que se insere o processo de militarização do ensino, como o ocorrido com Pecim (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares), posto em prática pelo governo de Jair Bolsonaro em 2019.
Apesar da derrota eleitoral do projeto bolsonarista no fim de 2022, e a revogação do Pecim em 2023, processos de militarização do ensino coexistem na realidade brasileira desde a década de 1990, e ainda são realidade em alguns estados e municípios, uma vez que até hoje não houve questionamentos formais sobre a constitucionalidade do modelo. Veja a seguir linha do tempo que destaca os principais marcos da militarização do ensino público brasileiro, bem como as experiências atuais que continuam em curso.