Artigo publicado originalmente na seção Tendências e Debates da Folha de São Paulo.
A educação possibilita aos cidadãos avaliar, criticar e propor formas de aprimoramento das instituições políticas e democráticas. Porém, em regimes políticos autoritários ou marcados por um processo de erosão democrática, é historicamente comum que a educação e seus desdobramentos —como a liberdade acadêmica e a autonomia universitária— sejam atacadas na tentativa de silenciar a oposição e alinhar a produção do conhecimento científico a interesses políticos.
Mais uma vez, como ocorreu na ditadura militar, é isso o que observamos no Brasil: o estudo e a salvaguarda da liberdade acadêmica enfrentam uma série de dificuldades, qualificadas em 30 tipos de violações, de acordo com estudo do LAUT (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) feito a partir de tipologia desenvolvida pelo Global Public Policy Institute (GPPi) em 2018.
A preocupação com esse cenário de autoritarismo motivou o Laut a produzir a pesquisa “Pensar sem medo” — uma série de relatórios que situa eventos recentes no país relacionados ao declínio democrático a partir de informações sobre a liberdade acadêmica no mundo. As análises buscam fornecer ferramentas para que se avance na resposta a uma pergunta crucial: quais fatores devemos monitorar para proteger a liberdade acadêmica da onda autoritária no Brasil?
O contexto também incentivou o desenvolvimento de um estudo para coleta de informações, em uma parceria do Observatório do Conhecimento, do LAUT e do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Por meio da pesquisa nacional on-line intitulada “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, foram mapeadas interferências institucionais no livre exercício do trabalho de docentes e pesquisadores vinculados a institutos de pesquisa e instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas. A análise das 1.116 respostas dá indícios de que a liberdade acadêmica está ameaçada no Brasil, sobretudo no que diz respeito à docência e à produção de conhecimento científico.
O monitoramento dos casos de violação da liberdade acadêmica e da autonomia universitária demanda a coleta de diferentes tipos de dados e a utilização de metodologias de análise específicas, já que muitos não chegam ao conhecimento do público em geral e não ganham destaque na mídia. Por isso, no último relatório do LAUT, “Violações à liberdade acadêmica no Brasil: caminhos para uma metodologia”, é lançado um olhar microscópico para a educação universitária brasileira a partir da análise das respostas de algumas questões da pesquisa nacional, conjuntamente com os casos analisados no relatório “Retrato dos ataques à liberdade acadêmica no Brasil”, com objetivo de identificar os tipos de violações ocorridas no país nos últimos anos como base na tipologia desenvolvida do GPPi.
O estudo do LAUT mostra que a realidade brasileira apresenta numerosos casos, em sua maioria nos últimos dois anos, de repressões brandas e duras ao ambiente universitário, científico e aos acadêmicos.
Aponta que alguns casos de violações são específicos da realidade do país, como, em nível nacional, a nomeação arbitrária dos reitores e dirigentes das Ifes (Institutos Federais de Ensino Superior) por entes externos às universidades. Já no âmbito das violações individuais, os exemplos incluem investigações administrativas e procedimentos disciplinares contra docentes e discentes, mas também ações criminais que vêm sendo mobilizadas para intimidar críticas acadêmicas a instituições e atores políticos.