Brasília, 8 de janeiro de 2023. Um homem envolto na bandeira nacional exibe a Constituição de 1988 após invadir e depredar as principais instituições da República. De costas para o STF, ele levanta o exemplar original furtado acima da cabeça, gesto festejado pela multidão bolsonarista. O signo gestual que marcará a memória do ataque golpista à democracia brasileira mimetiza outro, mas cujo significante é seu oposto: em 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães ergueu a recém-promulgada Constituição em celebração à democracia conquistada após a ditadura militar.
O livro ‘A letra da lei’ sai em português em um momento de profusão de estudos dedicados à democracia e contribui para a compreensão das constituições como um dos seus principais sustentáculos. Em vez da abordagem comum das constituições como produto de demandas populares ou epifanias de processos republicanos, a historiadora da Universidade de Princeton oferece uma história mais conturbada e instigante. “Uma constituição, como um romance, inventa e conta a história de um povo.”
Linda Colley expõe paradoxos e dissonâncias das histórias constitucionais explorando a narrativa emotiva de personagens reais. Uma chave para compreender a obra é o enquadramento das constituições como “tecnologia política”, segundo a qual elas não apenas listam direitos e deveres, organizam as instituições públicas e delegam poderes, mas também são uma ferramenta do Estado moderno para recrutar cidadãos, consolidar territórios e projetar um imaginário nacional.