Discurso de ódio, regulação da pornografia, financiamento de campanhas eleitorais, alocação de recursos públicos para produções culturais e artísticas e monopólio dos meios de comunicação. Esses são os temas que conectam a argumentação teórica de Owen Fiss, professor de direito constitucional da Universidade Yale, em torno da seguinte pergunta: a que serve a liberdade de expressão? A obra A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública, escrita na década de 90, é composta de quatro ensaios que costuram a concepção de Fiss acerca do sentido de proteger a liberdade de expressão. Ele nos mostra que, sem enfrentamento honesto e rigoroso dessa questão, não podemos dar respostas coerentes aos conflitos de expressão que deixavam cidadãos e o Judiciário estadunidense perplexos na época. Acrescidas dos dilemas colocados pela expansão da internet e pelas crises da democracia, as questões continuam atuais.
Teoria democrática
Fiss escreve no contexto estadunidense, em que prevalece a ideia de que a liberdade de expressão é, acima de tudo, uma proteção do indivíduo contra investidas do Estado. Essa relação de inimizade se naturalizou porque, historicamente, o Estado apresentou riscos graves ao livre debate público. O autor, contudo, se afasta dessa tradição, afirmando que a liberdade de expressão não significa, sempre, proteger o indivíduo do Estado. Seria equivocado assumir que ela é salvo-conduto individual para qualquer discurso em qualquer contexto e que o Estado não teria um papel ativo na sua promoção.
Fiss defende uma teoria democrática da liberdade de expressão: protegemos a liberdade de falar não porque ela seja importante para o falante, mas porque ela gera boas consequências para os ouvintes. A importância da expressão reside em um debate público rico, que apresente a mais ampla gama de informações e opiniões. Tal pluralidade é a condição de possibilidade para que as pessoas decidam sobre os rumos políticos de sua comunidade, ou seja, para o autogoverno democrático. Nesse sentido, o Estado teria o dever de ajudar a construir um debate público “desinibido, robusto e amplamente aberto”.