A historiadora Angela Mendes de Almeida, de 85 anos, costuma dizer que os acontecimentos de 1971 determinaram todos os passos de sua vida. Angela e Luiz Eduardo Merlino eram companheiros de amor e de militância contra a ditadura quando ele morreu em decorrência da tortura a que foi submetido no DOI-CODI de São Paulo. A morte brutal do jovem jornalista a marcou para sempre. Ao longo de cinco décadas, Angela construiu sua luta por justiça ao lado de três gerações da família de Merlino: a mãe, Iracema; a irmã, Regina; e a sobrinha, Tatiana.
Foi ainda menina que Tatiana, hoje com 47 anos, tomou contato com a história do tio. A avó Iracema, com quem morava, tinha um retrato de Luiz Eduardo na penteadeira, sempre com uma flor ao lado. Falava com orgulho e tristeza do rapaz inteligente de 23 anos que morreu cedo demais. Iracema aprendeu o que era a luta depois da dor da perda, passou a frequentar reuniões e em 1979 moveu um processo contra o Estado brasileiro.
Mas não era muita coisa que se conseguia falar na casa de Tatiana sobre as circunstâncias da morte do tio, de cuja convivência a ditadura a privou. Atravessando esse silêncio dolorido, Tatiana começou a reconstituir os acontecimentos a partir de documentos que sua avó guardava numa pasta azul desbotada. Fazia isso depois da escola, quase escondida, sem coragem de comentar o que descobria, de tão pesado que era.