Quem abrisse um dos jornais de maior circulação nacional no dia 12 de janeiro de 2018 leria, em uma breve nota, que o candidato à presidência de um pequeno partido havia escolhido o que falar durante as aparições televisivas a que teria direito. As frases tinham de ser bem escolhidas, já que o então deputado — que pretendia, como dizia a nota, investir nas suas redes sociais — teria curtos dez segundos. Escolheu as seguintes frases: “Em defesa da família brasileira” e “Pelo direito de portar armas de fogo em propriedades rurais”.
Menos de um ano depois, Jair Bolsonaro tomou posse como presidente da República. Em um de seus primeiros atos, já no dia 1º de janeiro, transformou o Ministério dos Direitos Humanos em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e nomeou Damares Alves, pastora e advogada, chefe da pasta. De slogan de campanha, a família foi alçada ao status ministerial de forma inédita. Em 2020, inclusive, Damares criou o Observatório Nacional da Família, que buscaria “dar visibilidade à família como primeiro e fundamental contexto de constituição integral da pessoa, cenário privilegiado para a transmissão de valores e primeiro sistema de proteção social para seus membros”.
A defesa da família não é algo sem precedentes na história recente do país. Meio século antes, como nos conta Renan Quinalha em Contra a moral e os bons costumes, a retórica de proteção da família também mobilizava o governo militar, tendo grande ressonância na sociedade civil. Havia uma “preocupação marcada da ditadura brasileira com a pornografia, o erotismo, as homossexualidades e as transgeneridades”, que não só seriam ameaças aos valores éticos e morais, mas também à ordem e à segurança. Sob tal justificativa, a perseguição e a violência contra dissidentes de gênero e sexualidade foram concretizadas por meio de diversos mecanismos institucionais e se deram em paralelo àquela contra opositores políticos do regime