[Resenha]
Em julho deste ano, alunos do curso de formação de soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo foram gravados cantando e dançando em celebração ao Massacre do Carandiru, em 1992. A lembrança daqueles 111 assassinatos — a maior parte cometido por policiais, alguns já condenados em júri popular – veio com ultraje. “Lá só tinha lixo, a escória, na moral”, cantam, como que para justificar o morticínio. “O cenário é de guerra, tipo Vietnã/ A minha continência, coronel Ubiratan”. O comandante da operação policial assassina não é esquecido em seu mérito.
Há onze anos, em 2013, outro coronel, este do Exército brasileiro, se viu diante de outra lembrança. Carlos Alberto Brilhante Ustra, confrontado com documentos e relatos de vítimas, negava, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), ter cometido qualquer tipo de tortura ou assassinato no período em que comandou o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, o Doi-Codi, em São Paulo, entre 1970 e 1974. Como os soldados da Polícia Militar, não esquecia de reconhecer a cadeia de comando. Dizia aos integrantes da CNV ter apenas cumprido ordens durante sua carreira militar, motivo pelo qual, nas suas palavras, “quem deveria estar aqui [depondo] é o Exército brasileiro”.
Insistente em negar qualquer responsabilidade por atos ilícitos, Ustra também se safou de ter que discutir outro fato, ocorrido poucos anos antes: o de que havia sido declarado, pelo Judiciário brasileiro, responsável pela tortura da família Almeida Teles. A sentença de primeira instância, de 2008, foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012, e pelo Superior Tribunal de Justiça em 2014. É com essa memória de um esquecimento que o jurista e escritor Pádua Fernandes inicia Ilícito absoluto: a família Almeida Teles, o coronel C. A. Brilhante Ustra e a tortura, livro que detalha e documenta, em seu contexto histórico e político, um dos mais importantes casos do direito brasileiro no período de redemocratização.