No dia onze de janeiro de 2023, o recém empossado Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n. 14.532/2023, dando novos rumos ao debate sobre o crime de injúria racial no Brasil. A lei equiparou a injúria racial ao racismo e estabeleceu que ambos os delitos têm a mesma gravidade, ainda que a injúria racial seja considerada um insulto de cunho pessoal e o racismo, uma ofensa à coletividade. Por consequência, o crime de injúria racial se tornou inafiançável, imprescritível e de ação pública incondicionada, ou seja, sem a necessidade de representação por parte da vítima para dar continuidade ao processo.
Atribuir essas características – antes restritas apenas ao tipo penal do racismo – ao crime de injúria racial foi demanda levada em frente por parlamentares negros e negras e por parte do movimento negro desde o fim da década de 1990. Como mostram Marta Machado, Márcia Lima e Natália Neris em pesquisa realizada sobre como os dois crimes vinham sendo aplicados pelo poder judiciário até 2016, possivelmente por conta de suas propriedades mais brandas, a injúria racial era a conduta mais reconhecida pelo judiciário – que dificilmente enquadra situações como racismo. Para avançar com a aplicação efetiva da legislação antirracista – e corrigir situações como a revelada pelas autoras –, o tipo penal da injúria racial tem sido objeto de debate e de modificações praticamente desde que foi criado, em 1997 (Lei 9.459/1997). Em 2009, por exemplo, foi promulgada lei que tirou o crime da esfera privada – como acontece com os crimes contra a honra – tornando a ação penal pública, mas condicionada à representação. Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a injúria racial era crime imprescritível.
Apesar do debate ser historicamente encabeçado por parlamentares de esquerda – especialmente por integrantes do PT (Partido dos Trabalhadores) –, parlamentares de centro ou centro-direita também passaram a querer modificar a legislação sobre injúria racial. Esses parlamentares passaram a se mobilizar seja para torná-la mais dura – assim como os parlamentares de esquerda –; para tentar ampliar o escopo do tipo penal objetivando abarcar outras práticas, sem relação direta com ofensas por conta da raça; e até mesmo – mais recentemente — para tentar eliminar o tipo penal do ordenamento jurídico, em nome da defesa da liberdade de expressão.
A linha do tempo abaixo conta a história dos debates sobre o crime de injúria racial no Congresso Nacional, por meio da apresentação de alguns PLs (projetos de lei) que pretenderam incidir na temática. Para realizá-la, localizamos no site da Câmara dos Deputados todos os PLs propostos entre 1989 e setembro de 2023 que registravam a expressão “injúria racial” em sua explicação ou ementa. Após uma leitura dos 44 PLs resultantes da pesquisa, selecionamos onze principais documentos, que dão conta de apresentar os temas e os marcos principais de tal debate.
Diante do avanço legislativo ao longo dos anos, alguns questionamentos se apresentam: que tipo de legislação antirracista queremos construir no Brasil? Será que o tratamento do racismo somente por meio da legislação penal – seja pela via do crime de racismo, seja pela via do crime de injúria racial – tem sido suficiente para combater a prática discriminatória no país?