A marca de uma época de crise, segundo Ortega y Gasset, são as incertezas. Quando desvanecem as convicções que sustentam visões de mundo e sentidos das coisas, indivíduos e sociedades questionam suas crenças. “A confusão segue anexa a toda época de crise”, escreveu o filósofo. A crise é uma perda de sentidos cujo sintoma é a desorientação, uma sensação que demanda uma reação imediata. Numa situação assim, se oferece menos resistência às medidas excepcionais, consideradas necessárias para se confrontar o que está supostamente fora da regularidade.
O estado de exceção, de Marie Goupy, resultado de sua tese de doutorado, parte de uma dupla suspeita: de que vivemos numa época de crise e de que o conceito de estado de exceção tem feito sucesso nela. Os exemplos de como essas duas suspeitas se entrelaçam são fartos. A autora lembra o 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, os ataques de 13 de novembro de 2015 na França e a subsequente série de práticas e leis que, segundo ela, teriam suscitado tensão e ações de excepcionalidade.
Se procurasse mais ao sul, Goupy teria mais referências. Segundo a agência Fiquem Sabendo, apenas nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, foram abertos 43 inquéritos policiais baseados na então Lei de Segurança Nacional, vigente no país de 1983 a 2021 e justificada como uma legislação voltada ao enfrentamento de grandes ameaças à nação. O vocabulário da excepcionalidade consta na minuta encontrada na residência de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro) que mencionava a decretação de “estado de defesa” na sede do Tribunal Superior Eleitoral. Também se encontrava num documento apócrifo descoberto no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que detalhava um golpe “dentro das quatro linhas” da Constituição e a declaração de um “estado de sítio” no país.