No início dos anos 2000, o documentário Santa Cruz, dirigido por João Moreira Salles, acompanhou o cotidiano de uma igreja pentecostal em formação na zona oeste do Rio de Janeiro. Com sensibilidade, o cineasta mostrou os impactos da conversão à nova religiosidade no dia a dia das pessoas, que incluía a renúncia a práticas mundanas, como o consumo de álcool, e a formação de redes comunitárias de ajuda mútua. Era evidente, já naquele momento, a necessidade de narrativas que fugissem de representações pejorativas sobre evangélicos no Brasil. Refiro-me, por exemplo, à minissérie Decadência, produzida em 1995 pela Globo, que reproduziu um imaginário estereotipado sobre pastores charlatões e estelionatários.
Naquela época, havia um claro contexto de disputa não apenas entre duas emissoras de televisão, mas também entre católicos e evangélicos, que havia adquirido contornos dramáticos devido ao episódio que ficou conhecido como “Chute na Santa” — quando um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (iurd) desferiu chutes contra uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, ao vivo pela Rede Record, no dia do feriado nacional em que se celebra a padroeira do Brasil.
Quase três décadas depois, os impactos das transformações no campo religioso brasileiro acentuaram-se ainda mais. Evangélicos passaram a ter uma presença pública mais robusta, ocupando ruas, diferentes mídias e espaços de poder, além de somar um número considerável de fiéis. Estima-se que hoje sejam 30% da população brasileira, reunindo classes sociais diversas, de artistas ricos e famosos a mulheres negras e pobres — maioria do segmento religioso.