O podcast Crime e Castigo, da Rádio Novelo, buscou refletir sobre as reações de alguns ouvintes de seu excelente antecessor Praia dos Ossos, desgostosos com a injustiça percebida diante da impunidade do assassino de Ângela Diniz — ainda que Doca Street tenha sido condenado e cumprido a pena a ele atribuída pelo Judiciário. Após seis episódios tratando de vítimas, algozes, condenações injustas, modelos alternativos e a falência do sistema prisional, as pesquisadoras e apresentadoras confessam uma certa decepção com a falta de respostas definitivas para a pergunta: o que é justiça, afinal?
O ensaio Punir: uma paixão contemporânea, do antropólogo francês Didier Fassin, pode ajudar a amenizar a frustração. O autor se propõe a contribuir para uma teoria da punição, partindo do reconhecimento de que vivemos um “momento punitivo” —um aumento generalizado e universal da demanda social por mais punição, que se torna em si um problema: “O castigo, que supostamente deveria proteger a sociedade do crime, aparece, porém, cada vez mais como aquilo que a ameaça”.
A obra de Fassin vai além dos esforços teóricos tradicionalmente associados ao campo da sociologia da punição ou às definições jurídicas de crimes e penas. O autor rejeita a definição hartiana de que o castigo deve sempre implicar um sofrimento e pergunta: todo crime demanda, inevitavelmente, o castigo? Examinando exemplos de sociedades tradicionais, apontando as iniquidades na aplicação da lei e refazendo a trajetória histórica da relação ambígua entre dívida e punição, da Antiguidade à Idade Média, o livro descreve a substituição das práticas restaurativas pré-medievais pelo discurso de redenção moral por meio da punição e da penitência e apresenta uma etnografia de alternativas distintas do sofrimento como resposta a atos desviantes.