“As ideias fora do lugar”, título do pequeno ensaio publicado em 1977 por Roberto Schwarz, é um dos mais conhecidos e longevos motes do pensamento social brasileiro. Ao expressar o incômodo surgido da apropriação de doutrinas da modernização europeia pelo Brasil arcaico, o mote foi usado para criticar tudo quanto fosse ideia estrangeira de nascença. Como no texto de Schwarz, o liberalismo sempre foi o alvo preferencial dessa crítica, que apontava a incoerência entre a defesa de doutrinas liberais, como a garantia de direitos individuais e o universalismo da lei, e a realidade brasileira da exploração de mão de obra escravizada e de reprodução da lógica do favor. Mas o próprio Schwarz não tinha em vista uma crítica rasteira à incompatibilidade entre estrutura econômica e ideologias de legitimação: tratava-se de ver como aqueles elementos aparentemente contraditórios podiam produzir um amálgama funcional, uma forma de sustentação moderna de uma sociedade arcaica.
Numa outra chave do pensamento social brasileiro, o incômodo com o liberalismo também foi alimentado pelas críticas formuladas por intelectuais de característica autoritária. Hoje, as crises democráticas revelam em escala mundial a experiência de desilusão com o liberalismo; no Brasil, essa desilusão é velha de séculos. As raízes de nossa ideologia autoritária estão na defesa de que, por aqui, experiências democráticas não podem ser mais do que uma prática de negociação entre a garantia dos valores e dos direitos liberais e a realidade impositiva de um país arcaico. Foi, na verdade, nosso pensamento autoritário modernizante o primeiro a formular as “ideias fora do lugar”, não como crítica teórica, mas como bem-sucedida intervenção prática, cujo objetivo era fazer nascer a fórceps um Estado nacional.