Nos espaços de privação de liberdade de nosso país, morre-se muito, sabe-se pouco, registra-se quase nada. Praticamente não se responsabiliza, tampouco se repara. A pandemia de Covid-19 levou aos jornais o problema amplamente e há muito conhecido por todos que vivenciam as prisões brasileiras. Também alavancou editais de financiamento à pesquisa, aqui e em diversos países. Nesse contexto, ao longo de 2022, com recursos da Série Justiça Pesquisa, do Conselho Nacional de Justiça, desenvolvemos o projeto “Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública”. O relatório final, lançado em maio, agrega magnitude ao problema: da intensidade do sofrimento dos que morrem sob a custódia estatal à extensão das práticas administrativas e judiciárias de ocultação dessas mortes. Buscando sistematizar a miríade de documentos e de bases de dados frágeis, mas disponíveis, enquanto expõe detalhes sutis, o relatório oferece um balanço do que é possível conhecer sobre o fenômeno da letalidade prisional.
A expressão “letalidade prisional” se refere ao conjunto de riscos para a saúde associados à exposição à vida prisional e às práticas institucionais de agentes e organizações do sistema de justiça (Poder Executivo, Poder Judiciário e Ministério Público). A letalidade é entendida aqui em sentido amplo, de modo a alcançar tanto as mortes que ocorrem no interior das unidades quanto as que podem estar relacionadas à passagem anterior por instituições de privação de liberdade — ela é parte de um contínuo que muitas vezes começa com a letalidade policial. Como formas de violência de Estado, que resultam na morte ou no adoecimento, argumentamos que precisa ser entendida a partir de um olhar que conecta a polícia, os tribunais e a prisão. A expressão também serve como conceito mensurável, que permite estudar como e em que proporção nossas instituições prisionais são mais ou menos letais, em que medida as condições de confinamento estão correlacionadas com a morbidade e a mortalidade.