Uma vida oculta, filme mais recente de Terrence Malick, conta a história de Franz Jägerstätter, agricultor austríaco condenado à morte pelo regime nazista por se recusar a jurar fidelidade a Hitler e a servir em combate durante a Segunda Guerra Mundial. A estética grandiosa e transcendental de Malick, com muitas tomadas em grande-angular de belas paisagens, é pontuada por embates mais humanos e prosaicos. Em uma cena particularmente intensa, Franz é confrontado pelo juiz momentos antes de ser proferida a sua sentença. Depois de ouvir os motivos morais do dissidente e sua visão sobre certo e errado, o juiz argumenta que o ato de desobediência não terá consequências benéficas para quem quer que seja e pergunta: “Você tem o direito de fazer isso?”. Franz responde: “Tenho o direito de não o fazer?”.
Arrancado de sua família, terras e aldeia, encarcerado e submetido a torturas, ele é informado de que seu sacrifício não seria conhecido e sua ação não resultaria em nenhum efeito prático além do próprio sofrimento e do de sua família. Por levar uma vida anônima, Franz é instado a perceber que suas ações teriam terríveis consequências práticas para si e para seus entes queridos, em nome de um “bem” apenas transcendente (sua absolvição moral e religiosa). Talvez tenha sido esse o aspecto da história que mais fascinou Malick, que optou por reforçar o paradoxo entre o sublime e o corriqueiro na resistência do protagonista, um católico fervoroso de poucas ambições a não ser a lida diária e a convivência afetuosa com a família e a comunidade. Malick omite que Franz, executado pelo regime nazista, foi em 2007 beatificado pela mesma Igreja católica que apoiou o 3º Reich. Personagem “oculto” de seu tempo, tornou-se histórico na posteridade em razão da força moral de sua desobediência.
Ilustração: Marcelo D’Salete.