A transição energética é um imperativo urgente em nossa luta contra a crise climática. Metas para a descarbonização foram estabelecidas no Acordo de Paris, para serem cumpridas dentro de um prazo rigoroso, que pressiona líderes em todo o mundo a adotarem medidas eficazes para suprir a demanda crescente por energia limpa. No entanto, enquanto se consolida em parte do campo ambientalista uma visão que equipara a defesa da transição energética justa à implementação de formas de energia limpa — isto é, gerada a partir de fontes renováveis —, questões sobre os impactos ecológicos, sociais e econômicos gerados pela exploração dessas mesmas fontes emergem. A questão se complexifica, especialmente ao considerarmos que a exploração das fontes renováveis já se consolida no Brasil como um mercado bastante lucrativo, protagonizado por grandes empresas do ramo da energia limpa.
Exemplo dessas complexidades, grandes empreendimentos de energia eólica têm direcionado seu interesse em dividir o espaço com o bioma da caatinga, presente no Agreste e Semiárido nordestino. Os problemas dessa coabitação já se fazem notar em muitos casos. No estado de Pernambuco, a zona rural de Caetés recebeu dois parques eólicos que mudaram por completo a vida dos moradores, que relatam o desaparecimento do canto dos pássaros – antes cotidiano –, substituído pelo barulho intenso das turbinas, além de casos de depressão, insônia e surdez.
A alguns quilômetros de Caetés, no território dos Kapinawá, povo indígena do interior de Pernambuco, o impacto das eólicas em cidades vizinhas ao território é um fantasma vivo do que pode vir a ser, caso o projeto de construção do Complexo Eólico Buíque — em curso sem o devido processo de consulta livre, prévia e informada à comunidade — se concretize.
Uma das autoras deste artigo vive e estuda a realidade da transição energética em territórios tradicionais. Como parte da comunidade indígena Kapinawá e pesquisadora envolvida com questões jurídicas e culturais, testemunha os desafios que surgem quando projetos de grande escala ignoram a consulta e o diálogo com as comunidades locais. Nesse sentido, foi enquanto jurista, ao tomar parte de uma manifestação processual que tratava do Complexo Eólico Buíque, que soube da existência do empreendimento que prevê a instalação de 70 aerogeradores em seu território.