A democracia está sob ameaça. Não na América Latina. Os Estados Unidos são a bola da vez. Esse é o alerta feito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como salvar a democracia. O novo livro dos cientistas políticos não é propriamente uma sequência de Como as democracias morrem, publicado em 2018. O foco agora são os Estados Unidos, isto é, a democracia a ser salva, a que está a morrer, é a norte-americana. Nesses termos, ao diluir ou deixar em segundo plano o objeto do livro, o título adotado em português tem algo de enganoso. Quem ameaça a democracia norte-americana é a minoria branca e religiosa. Para evitar leituras apressadas, vale ressaltar que minoria está no singular. Para dar nome aos bois, ou melhor, ao elefante que passeia pela sala, a minoria tirânica a que o título em inglês se refere é aquela representada pelo Partido Republicano.
Por duas vezes, em pleno século 21, o candidato que recebeu a maioria do voto popular não ocupou a Casa Branca. Bush Junior, em 2000, e Donald Trump, em 2016, obtiveram a maioria dos votos no colégio eleitoral e, por isso, foram empossados. Mas os dois perderam no voto popular. Não por acaso, em ambas as ocasiões, o Partido Republicano foi o favorecido. A conclusão é óbvia: há algo de podre no reino do “grande irmão do Norte”. Podre e absurdo.
Não há a menor chance de que algo similar ocorra em qualquer outro país do mundo. Leva a presidência quem recebe o maior número de votos — essa é a lógica, isso é o que se espera em um regime democrático: a vontade da maioria deve prevalecer. Os Estados Unidos, contudo, não elegem o presidente pelo voto popular, e sim pelo colégio eleitoral, uma improvisação de última hora dos “pais fundadores”, que, tendo rejeitado a possibilidade de uma eleição popular, não tinham a menor ideia de como proceder. A invenção, à época, poderia fazer sentido, mas logo mostrou seus defeitos, gerando crises como nas eleições de 1800 e 1824. A despeito das falhas gritantes do colégio eleitoral, não há sinal de que ele venha a ser abandonado tão já. A possibilidade de que o perdedor da eleição popular venha a ocupar a Casa Branca continua aí.