Liberdade – essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Cecília Meireles, “Romanceiro da Inconfidência”
Os moradores das favelas brasileiras são livres? É possível falar em liberdade quando se vive em um espaço identificado com a exclusão, a violência, a pobreza e a falta de oportunidades? Assumimos, usualmente, que a população das favelas, subúrbios e quebradas do Brasil tem oportunidades muito limitadas de levar uma vida digna. O antropólogo Moisés Lino e Silva partia dessa premissa quando começou sua pesquisa de campo na Rocinha, uma das maiores favelas do Brasil, em 2009. Presumia, então, que o trabalho etnográfico poderia contribuir para dar visibilidade às diversas formas de opressão a que estão submetidas pessoas marginalizadas em nossas grandes cidades.
Ao conhecer Natasha Kellen Bündchen, uma “travesti liberada” que deixou o Ceará para ganhar a vida no Rio de Janeiro, no entanto, Lino e Silva se viu diante de expressões e práticas de liberdade que até então desconhecia. E que tampouco serão familiares para a grande maioria daqueles que nunca viveram em uma favela e que foram socializados em um mundo marcado pelos valores liberais. O trabalho etnográfico de Liberalismo minoritário: vida travesti na favela nos traz não apenas um bonito e singelo relato do cotidiano de Natasha e outras pessoas queer na favela, mas apresenta também um desafio teórico ao “liberalismo normativo”. Ao nomear formas marginalizadas de liberdade como liberalismo, Lino e Silva realiza um movimento de descolonização da tradição liberal, desestabilizando um conceito que nos é estranhamente familiar. Nesse deslocamento, o antropólogo expressa apreço pelos “liberalismos minoritários”, colocando-os em pé de igualdade com as liberdades valorizadas pela cultura política ocidental.