Os haters de spoiler que me perdoem pela transgressão: preciso começar essa resenha pelo final do novo O girassol que nos tinge, de Oscar Pilagallo, lançado pela Fósforo. A última frase do epílogo revela a tese pressuposta a cada linha do livro: falar sobre o passado é falar sobre o presente. Não dá para a democracia andar bem, obrigada, se a história sobre seu advento é sufocada. Daí a importância do livro sobre as Diretas Já, o maior movimento civil que o Brasil já teve e que o reconduziu à rota democrática.
Acontecido há quase quarenta anos, o movimento já foi tema de outros livros. Esse vale por ser um enredo contado por uma testemunha ocular do período, com destaque para as articulações políticas, civis e culturais de base. Mais: uma testemunha que, já tendo sobrevivido aos solavancos de dois impeachments, junho de 2013, presidência Bolsonaro — e agora respira alerta sob um novo Lula —, olha retrospectivamente para o período e não só o narra, mas o presentifica para uma geração posterior. Apenas 25% da população atual do país tinha mais de dez anos à época do movimento.
Trazer as Diretas Já ao presente não é uma tarefa banal. A bruta catapulta não funcionaria. O interesse advém de uma linha de continuidade de alguma forma entendida como rompida — e aqui de novo me valho do epílogo, combinado à apresentação. Pilagallo deixa a magistralidade dos fatos falar por ela mesma: não tivemos desde então outro movimento tão grande e consensual em prol da democracia — fora as vivandeiras alvoroçadas, o movimento uniu forças muito diferentes da sociedade brasileira. Nem junho de 2013 nem #EleNão nem #ForaTemer nem qualquer outro vocalizaria tanta unidade de propósito e força. Voltar às Diretas, por isso, é voltar ao que temos de comum, à cultura democrática que ensaiamos juntos e se embotou frente a uma avalanche de acontecimentos posteriores.