Quando os corpos de oito pessoas mortas foram arrastados para fora de um manguezal em São Gonçalo, Rio de Janeiro, no dia 21 de novembro de 2021, moradores e moradoras da região já sabiam que esse era um dos resultados da ação da Polícia Militar (PM) no Complexo do Salgueiro, que ocorrera no dia anterior em aparente resposta à morte de um policial. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, o ciclo de violência na região metropolitana do Rio de Janeiro contou com 4.653 tiroteios — em média, 13 por dia, 1.084 pessoas mortas, 1.014 feridas e 82 agentes policiais mortos(as) somente em 2021. Dessas pessoas, ao menos 255 morreram em uma das 59 chacinas do ano relacionadas a operações policiais na região. Esses são números alarmantes, ainda mais considerando que desde abril de 2020 as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro deveriam estar suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 635), salvo em situações excepcionais.
O problema não é apenas carioca, mas brasileiro: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, ao menos 6.416 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais pelo país. E, para cada policial morto em serviço ou fora de serviço, foram mortas 33 pessoas, em média, com grande variação entre estados (chegando a 210 pessoas em Goiás e 186 no Paraná). A maior parte das vítimas está em grandes centros urbanos.
Se os números são brutais e conhecidos, por que pouco é feito? E por que agentes policiais não são responsabilizados? Poliana da Silva Ferreira responde a essas perguntas olhando para o papel do direito e das organizações do sistema de Justiça em seu livro Justiça e letalidade policial, lançado pelo Selo Plural da editora Jandaíra, voltada a “obras necessárias para a compreensão das discriminações estruturais do Brasil”. O livro é resultado da pesquisa de dissertação de mestrado de Ferreira, na qual a autora conduz profundo estudo de um caso real, com final comum e “já conhecido”: a “absolvição dos policiais”. O caso ilustra como o direito e as organizações da Justiça ajudam a blindar “a polícia que mata” da maior parte das formas de controle e responsabilização.