Washington, domingo, 17 de março de 2019, 20h. Em jantar na residência do embaixador brasileiro, Jair Bolsonaro, recém-empossado na presidência da República, deixa claro que conceber um projeto para o Brasil não faz parte dos propósitos de seu governo: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, anunciou aos integrantes da sua comitiva e a um punhado de convivas da extrema direita norte-americana.
Prometeu e cumpriu. A agenda que o levou ao poder era um pacto com o passado, como escreve Miriam Leitão em A democracia na armadilha, que reúne 153 colunas publicadas no jornal O Globo entre 2016 e 2021 que recompõem a campanha eleitoral de 2018 e recuam no tempo até o ano de 2016 para sublinhar as consequências da inação de um Congresso que deixou impune a exaltação da tortura feita por Bolsonaro, então deputado, durante a sessão especial de deliberação sobre a autorização para a abertura do processo de impedimento contra Dilma Rousseff. Havia ali a apologia de crime imprescritível, e a defesa da tortura por um parlamentar vai além do que a democracia pode aceitar.
A crônica política é um gênero de escrita difícil de executar. São textos curtos feitos sob pressão para publicação diária que apresentam um ponto de vista narrativo e uma interpretação crítica cujo sentido o próprio leitor vai conferir. Uma vez reunidos em retrospectiva, contudo, ganham novo fôlego. Providenciam registro e alinhavo para o entendimento da rede de ações e escolhas que se processaram em determinada conjuntura, além de abrir um panorama sobre os sentidos dos acontecimentos em determinado momento da história do país. O livro de Miriam cumpre à risca o programa: fornece recursos de interpretação da realidade nacional e evidências empíricas para lidar com os eventos extremos (e inéditos) que desfiguraram a vida democrática no Brasil.