A esta altura, estamos todos escaldados, com o perdão do trocadilho, na metáfora do sapo que morre na panela de água fervente. Nessa pequena fábula de moralidade democrática, um sapo colocado em uma panela com água levada ao fogo eventualmente morrerá cozido, por não perceber a elevação progressiva da temperatura da água.
O mesmo aconteceria, e aqui vem a lição de moralidade política, com a erosão das democracias atuais. Não há mais generais saindo fardados de tanques para cortar faixas de inauguração de ditaduras. Não é mais possível marcar no calendário o dia em que a Constituição morreu. Como o sapo cozido, as democracias atuais fenecem aos poucos, por mudanças que paulatinamente tornam inoperantes espaços institucionais e convenções que são pressupostos de sua existência. Subjugação de juízes independentes, estrangulamento financeiro da imprensa não alinhada, assédio intimidatório a funcionários públicos e lawfare contra ativistas e organizações da sociedade civil: esses e outros fenômenos análogos compõem o caldo fervente em que o sapo da democracia vai cozinhando até morrer.
Se por um lado é apelativa em seu chamado por alerta permanente, essa metáfora é essencialmente limitada por prender-se a fenômenos físico (a fervura da água) e biológico (a morte do sapo) que, como tais, ocorrerão da mesma forma em qualquer lugar. Morrerão cozidos de forma idêntica os sapos da Hungria, da Polônia, das Filipinas, da Turquia e do Brasil.