Em janeiro de 1970, o papa Paulo 6º recebeu dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, em reunião no Vaticano. O tema era um dossiê que chegara às mãos do pontífice cinco dias antes: o Livre noir: terreur et torture au Brésil (Livro negro: terror e tortura no Brasil). O documento reunia relatos sobre casos de tortura e assassinato ocorridos no Brasil, que vivia naquele momento o auge da violência da ditadura militar. Dali em diante, as críticas internacionais sobre as violações dos direitos humanos no país se multiplicaram, assim como o incômodo dos militares com as denúncias. Naquele mesmo ano, o ditador Emílio Médici mandou preparar o Livro branco — um evidente contraponto ao Livre noir.
A disputa entre o relatório de d. Hélder e o contrarrelatório de Médici era o primeiro capítulo de uma história que passou pelos anos de chumbo, pela redemocratização, por toda a Nova República e chega à crise dos dias atuais. Trata-se de um conflito em torno das formas de narrar e representar o que aconteceu entre 1964 e 1985 no Brasil. Um embate pela memória sobre o passado ditatorial, em que os livros são as principais armas.
O Livro branco de Médici tinha o objetivo de alimentar os agentes da ditadura com um discurso unificado para responder às denúncias de tortura. Caracterizando os opositores do regime como “terroristas”, a narrativa construída ao longo de suas quase duzentas páginas estava sempre no limiar entre negar violência e justificá-la. Ao mesmo tempo, as críticas que circulavam em outros países eram rebatidas como se fossem resultado de uma conspiração do Movimento Comunista Internacional com o intuito de prejudicar a imagem do Brasil. Naquele início dos anos 1970, o regime estava no auge de sua legitimidade, sustentada tanto pela repressão e pela censura quanto pelo chamado “milagre econômico”. Nessa conjuntura, o livro nem precisou vir a público.
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